ATA DA DÉCIMA QUARTA SESSÃO SOLENE DA TERCEIRA SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA DÉCIMA LEGISLATURA, EM 16.05.1991.

 


Aos dezesseis dias do mês de maio do ano de mil novecentos e noventa e um reuniu-se, na Sala de Sessões do Palácio Aloísio Filho, a Câmara Municipal de Porto Alegre, em sua Décima Quarta Sessão Solene da Terceira Sessão Legislativa Ordinária da Décima Legislatura, destinada à entrega do Prêmio Érico Veríssimo ao Professor Flávio Loureiro Chaves, concedido através do Projeto de Resolução nº 38/90 (Processo nº 1337/90), do Ex-Vereador Valdir Fraga. Às dezessete horas e trinta minutos, constatada a existência de “quorum”, o Senhor Presidente declarou abertos os trabalhos e convidou os Líderes de Bancada a conduzirem ao Plenário as autoridades e personalidades presentes. Compuseram a MESA: Vereador Antonio Hohlfeldt, Presidente da Câmara Municipal de Porto Alegre; Doutor Olívio Dutra, Prefeito Municipal de Porto Alegre; Deputado Estadual Flávio Koutzii, representando a Assembléia Legislativa do Estado e, em especial, o Deputado Valdir Fraga, proponente desta Homenagem, quando Vereador da Casa; Vereador Airto Ferronato, Vice-Presidente da Casa; Senhor Iratir Ramos, representando a Fundação Cultural Nestlé; Senhora Olga Reverbel; Professor Flávio Loureiro Chaves, Homenageado; Senhora Judith Martins; Vereador Clóvis Ilgenfritz, 3º Secretário da Casa. Após, o Senhor Presidente registrou correspondência recebida relativa à solenidade, do Chefe de Cerimonial do Palácio Piratini; do Governador Alceu Collares; de Armindo Trevisan, do Senador Amir Landu; de Maria da Anunciação Bina Machado; do Deputado Valdir Fraga; do Vice-Governador João Gilberto Lucas Coelho; da Professora Bella Josef; do Professor Gerhard Jacob; do Senhor José Carlos Mello D’Ávila e do Professor Luiz Inácio Medeiros, correspondência essa que entregou ao Homenageado. Ainda, registrou a presença, no Plenário, de diversas autoridades ligadas ao setor de educação e literatura, e concedeu a palavra aos Vereadores que falariam em nome da Casa. O Vereador Isaac Ainhorn, em nome das Bancada do PDT, destacando que a presente Sessão demonstra a preocupação da Casa com a cultura e a expressão artística, discorreu sobre a vida do Homenageado, salientando sua atuação na área da crítica literária. Salientou, ainda, que, no setor da literatura, possui o Professor Flávio Loureiro Chaves, plenas condições de se considerar um “homem vitorioso”. E o Vereador Antonio Hohlfeldt, em nome das Bancadas do PT, PDS, PMDB, PTB, PCB, PSB e PL, destacou o trabalho do Homenageado como Professor na área de literatura e sua capacidade de buscar uma ampliação da área de análise e estudo de autores por parte de seus alunos e dele próprio. Também, ressaltou ter S.Sa., durante certo período, se aproximado da política, através do assessoramento feito ao Deputado Estadual João Carlos Gastal. Em prosseguimento, o Sr. Presidente convidou o Vereador Antonio Hohlfeldt a proceder à entrega do Prêmio Literário Érico Veríssimo ao professor Flávio Loureiro Chaves, e concedeu a palavra ao Homenageado, que agradeceu o Prêmio hoje recebido. Após, o Senhor Presidente agradeceu a presença de todos e, nada mais havendo a tratar, declarou encerrados os trabalhos, às dezoito horas e dezenove minutos, convocando os Senhores Vereadores para a Sessão Ordinária de amanhã, à hora regimental. Os trabalhos foram presididos pelos Vereadores Antonio Hohlfeldt e Airto Ferronato e secretariados pelo Vereador Clóvis Ilgenfritz. Do que eu, Clóvis Ilgenfritz, 3º Secretário, determinei fosse lavrada a presente Ata que, após lida e aprovada, será assinada pelos Senhores Presidente e 1º Secretário.

 

 


O SR. PRESIDENTE (Antonio Hohlfeldt): Ao abrir os trabalhos da presente Sessão, queremos registrar dentre outros e pedindo desde logo perdão pelas eventuais omissões: as representações da ARI, na pessoa do Jornalista Firmino Sabrino Cardoso; maestro Guerlen da Universidade Católica; Profª Isolda Paes; Srª Eva Sopher; Srª Diná Gastal; Profº Mozart Pereira Soares; Prof° Barbosa Lessa; Maria da Glória Bordini; Lya Luft; Fernando Peixoto; Albino de Bem Veiga; Celso Pedro Luft e tantos outros. Enfim, é uma reunião definitivamente de família nesta tarde. Falarão o Ver. Isaac Ainhorn, pelo PDT, e este Vereador que falará pelas demais Bancadas. Registramos a correspondência recebida: telex do chefe do cerimonial do Palácio Piratini, assinado pela Srª Ana Schmit Alcover; telex do Governador Alceu Collares; fonograma de Armindo Trevisan; fonograma do Senador Amir Landu; fonograma de Maria da Anunciação Bina Machado; correspondência do Deputado Valdir Fraga, impossibilitado de comparecer nesta Sessão e está representado pelo Deputado Flávio Koutzii; também cartão de Vice-Governador João Gilberto Lucas Coelho; também pequeno bilhete da Profª Bella Josef; fonograma do Profº Gerhard Jacob; correspondência do Presidente da Empresa Porto-Alegrense de Turismo, companheiro José Carlos Mello D’Ávila; correspondência do Profº Luiz Inácio Medeiros. Passo às mãos do Profº Flávio Loureiro Chaves. (Pausa.)

As Sessões que se realizam nesta Casa tradicionalmente reúnem públicos convidados os mais diversos possíveis. Na tarde de hoje muito especialmente a Casa recebe um público que forma, como registramos, uma grande família e é com esse clima e essa perspectiva que nós abrimos esta Sessão formalmente e convidamos o Ver. Isaac Ainhorn, que fará uso da palavra inicialmente, para falar em nome das Bancadas do PDT e do PFL. Registramos, ainda, as presenças dos Vereadores Clovis Ilgenfritz, Líder da Bancada do PT, e Lauro Hagemann, Líder do PCB.

 

O SR. ISAAC AINHORN: Sr. Presidente da Câmara Municipal de Porto Alegre, Ver. Antonio Hohlfeldt; prezada esposa do nosso homenageado, Judith Martins Costa Chaves; prezada e querida Olga Reverbel; nosso homenageado Flávio Loureiro Chaves; e mais tantas outras pessoas que hoje se encontram aqui, na Câmara de Vereadores de Porto Alegre, prestando esta homenagem ao Flávio por ocasião em que a Câmara de Vereadores da Cidade de Porto Alegre lhe outorga o título e lhe concede o prêmio literário Érico Veríssimo. Esta realmente, como disse o Presidente da Casa, Ver. Antonio Hohlfeldt, é uma Sessão diferente, é um universo muito peculiar de pessoas e que revela, também, a presença e a preocupação da Câmara Municipal de Porto Alegre com a cultura e as manifestações artísticas. Tanto isso é verdade que vale uma explicação preliminar exatamente sobre esse título que, hoje, o nosso Flávio, está recebendo da Câmara de Vereadores: o Prêmio Literário Érico Veríssimo que, de acordo com o art. 1º da Resolução, será conferido ao escritor brasileiro, autor de obras, que por seu conteúdo literário enriqueça as letras nacionais. É, realmente, para quem pertence à mesma geração do Flávio, motivo para envaidecimento deste Vereador, motivo de orgulho de todas as pessoas que aqui se encontram, neste momento, sobretudo dos seus amigos e dos seus colegas da geração de 1960, à qual o Flávio Loureiro Chaves pertenceu. Buscamos exatamente aquela geração que teve sua vida truncada por um processo de profundas manifestações na vida política do País e que levou cada um aos seus caminhos e, apesar de todas as adversidades, dificuldades, muitos desses elementos, universitários daquela geração, hoje de encontram presentes aqui por ocasião da outorga deste Prêmio Érico Veríssimo ao nosso homenageado. É uma expressão maior, neste momento, sobretudo aos que pertencem a essa geração, e à nossa Cidade, ao nosso Estado, porque é um escritor da nova geração que optou por um caminho árido, difícil da vida cultural que é o da crítica literária e este caminho que ele escolheu, ele pode, ainda, na sua juventude, tranqüilamente, se dizer um homem vitorioso. Para quem já teve oportunidade de conviver, viver e ler os trabalhos deste que a Câmara de Vereadores, hoje, presta homenagem, tem a certeza que o Flávio além das contribuições já prestadas do ponto de vista cultural, da sua contribuição ao estudo da obra daquele que leva o nome do prêmio que o Flávio hoje está recebendo, as suas contribuições ao estudo dessa obra, as suas contribuições a outros aspectos da crítica literária, o seu estudo a respeito de Machado de Assis, seu estudo sobre a literatura brasileira, especialmente as contribuições ao estudo e a pesquisa sobre a literatura rio-grandense, fazem, inegavelmente, o Flávio muito mais do que um merecedor desse título que a Câmara de Vereadores nesta tarde lhe outorga. Eu acho que neste momento estamos expressando o sentimento de toda uma geração, Flávio, que se vê na outorga desse título, resgatando, em parte, daquela sua ação política em que tem figuras, aqui desta Casa e outros já saídos desta Casa, figura como o Ver. Clovis Ilgenfritz, figuras como o Deputado Flávio Koutzii e, porque não dizer, também, figuras como o Prefeito Olívio Dutra, expressões desta geração, é a nossa geração, a quem a gente vê e acompanha, presentes, também, aqui, no Plenário desta Casa, inúmeros rostos que estão aqui presentes. O caminho que tu escolhestes é o caminho que também enchia e enche de orgulho os teus amigos, os teus admiradores e a tua Cidade, que hoje oferece este título por que é um nome que merece nas duas opiniões, na sua abalizada crítica o reconhecimento nacional dos seus trabalhos. Por essas razões a Câmara se sente honrada em deferir nesta Sessão a outorga do Prêmio Érico Veríssimo, e ninguém melhor do que a ti a entrega deste Prêmio, nesta oportunidade, sobretudo pela estreita afinidade e identidade entre a história daquele que podemos considerar uma das maiores expressões do romance rio-grandense e do romance brasileiro. E quem recebe esse título na tarde de hoje é um dos mais profundos e argutos pesquisadores da obra de Érico Veríssimo. Nos sentimos hoje felizes, nos sentimos identificados com um profundo sentimento da terra rio-grandense, na elaboração cultural, de termos acreditado na sensibilidade daquele que propôs a homenagem, que foi o autor do Projeto, hoje Deputado Valdir Fraga e também aquele que colocou na Ordem do Dia a homenagem para que ela fosse prestada, hoje Presidente desta Casa, Ver. Antonio Hohlfeldt.

Nossos cumprimentos em nome da Bancada do Partido Democrático Trabalhista. E, realmente, creia que a homenagem que hoje esta Casa presta a ti é um reconhecimento do teu trabalho e na certeza desta Casa, na representação política da Cidade de Porto Alegre e das pessoas que estão aqui presentes e daqueles que admiram e que acompanham o teu trabalho e que hoje aqui não se encontram, mas sabem que ainda tu tens muitos trabalhos, muitas contribuições a dar ao nosso Estado, à cultura rio-grandense e à cultura brasileira. Muito obrigado. (Palmas.)

 

(Não revisto pelo orador.)

 

O SR. PRESIDENTE (Airto Ferronato): Concedemos a palavra ao Ver. Antonio Hohlfeldt, que fala em nome de sua Bancada, o PT, e em nome das Bancadas do PDS, PMDB, PTB, PCB, PSB E PL.

 

O SR. ANTONIO HOHLFELDT: Exmo Ver. Airto Ferronato, Presidente dos trabalhos neste momento, demais integrantes dessa Mesa, com especial menção ao Sr. Iratir Ramos, que nos dá o prazer da sua presença nessa Casa, ele que representa uma das iniciativas mais importantes da área da literatura nos últimos anos nesse País, tão difícil de apoio cultural, que é a Fundação de cultura Nestlé, que é a Bienal Nestlé de Literatura. Meu querido Flávio Loureiro Chaves e Judith Martins Costa Chaves.

É sempre um encargo difícil falarmos por um Partido, e sobretudo por vários Partidos. Sobretudo quando nosso Líder de Bancada aqui se encontra, e quando outro companheiro, como Lauro Hagemann, aqui se encontra e que tem a gentileza e a simpatia de nos delegar a palavra. E por outro lado, também, é difícil falarmos em nome do hoje Deputado Valdir Fraga, que, se não tivesse à delegação da Assembléia, certamente aqui estaria nesta festa.

Mas sinto-me extremamente honrado porque encontro aqui algumas das pessoas que ao longo de anos a gente aprende a respeitar e diria, realmente, a querer muito carinhosamente; a Profª Isolda Paes, que foi minha professora e também do Flávio; a Eva Sopher, com que acabei de conviver nestes últimos anos uma aventura muito importante de produzir um livro; a Diná, em nome do Paulo Gastal; enfim, de todos aqueles companheiros da aventura do “Caderno de Sábado” do “Correio do Povo”; o Mozart Pereira Soares, que além desta aventura e de tantas outras, lá da Vila da Palmeira; o Profº Steinbruk, o Barbosa Lessa, que tem tantas histórias para contar; o Maestro Gerling, que tem dado uma contribuição tão significativa à música neste Estado e, sobretudo, nestes momentos de crise; a Maria da Glória Bordini, que é uma companheira de todos nós, que tem uma responsabilidade imensa nesta pesquisa, neste trabalho em relação ao acervo deste escritor que nós permanentemente homenageamos, com o título deste prêmio que hoje se entrega ao Flávio; a Lya Luft, de quem sempre me lembro como aquela escritora que nos provoca a cada livro que publica e nos obriga a dar uma volta por dentro de nós mesmos; ao Fernando Peixoto que acaba de chegar de um trabalho na Suécia, que digo que tem um trabalho que todos nós queríamos, que tem uma disponibilidade remunerada graças ao Presidente Collor e que vem aqui para reencontrar toda uma geração, todo um trabalho, como mencionava agora o Ver. Isaac Ainhorn; ao Profº Albino de Bem Veiga, como ao Profº Celso Pedro Luft, que também são nossos professores e nossos professores permanentes; ao Celso Loureiro Chaves, que é outra geração de músico, que preferiu ficar lá atrás, mas que a gente localiza, o olho do jornalista ainda funciona; ao Sérgio Faraco, que se esconde na porta de saída; a Aidée Porto, que é da mesma geração, das mesmas brigas, das mesmas dificuldades, da nossa história de universidade; ao Desembargador Mânica, que aqui se faz presente e a quem nós agradecemos a presença; a Maria do Carmo que é da geração que hoje ocupa a tarefa de lecionar numa universidade, uma tarefa sempre difícil e complicada; ao Luis Osvaldo Leite, nosso companheiro de tantas lutas e desafios; ao Profº Luis Carlos Rotermann, que tem nos acompanhado também nestas lutas e tantas e tantas outras pessoas que seria enfadonho nomear, mas se o faço é para evidenciar, exatamente, aquilo que eu mencionava inicialmente. Esta é uma festa, sobretudo, de reencontro. Cada um de nós, nesta tarde, encontrou uma desculpa para vir para cá e acho que isso é importante porque essa é no fundo a intenção dessas Sessões: reunir pessoas, reunir amigos.

Quero falar na condição de aluno do Flávio, com muita honra. Eu poderia falar, sem dúvida, na condição de companheiro de trabalho que me tornei depois e, sobretudo, amigo do Flávio, com muita honra, mas eu quero falar é do Profº Flávio Loureiro Chaves. No meu caso, e o Isaac acho que relembrou bem isso, eu tinha 19 anos quando entrei na Faculdade e aos 20 me tornei aluno do Flávio e lembro que a gente carregava uma série de idéias, de ideais e expectativas em torno do que seria a Universidade e, no meu caso, especialmente, querendo integrar esta fauna tão estranha dos intelectuais e, mais estranha em meio a esses intelectuais, esses malucos que são os escritores e os críticos que ficam vasculhando letrinhas e palavras para descobrir o que o sujeito disse que não está escrito mas a gente pode dizer que ele disse, eu me lembro que foi extremamente importante um conjunto de professores daqueles primeiros meses, daqueles primeiros dias de faculdade. Quero evocar aqui o Profº Ângelo Ricci, quero evocar apenas porque não se encontra neste momento conosco, infelizmente; o Profº Guilhermino César, que continua nos acompanhando e produzindo todo o seu trabalho; quero evocar aqui o Profº Dionísio Toledo e quero falar do Flávio, porque quem freqüentou aquele momento da Universidade lembra das loucuras do Dionísio; o Dionísio não parava a aula no tempo da aula, ele continuava a aula depois da aula, no recreio, no boteco, no bar, no fim de semana, no cinema, provocou vários de nós dentre os quais o Flávio e logo depois a mim para traduzirmos depois as obras que hoje são esteios daquilo que se usa no dia-a-dia das faculdades, das principais teorias de literatura. O Professor vinha com sua estética de Kroth, que o Flávio foi tradutor. O Guilhermino que não só dava uma aula, mas brigava por uma aula. Ele realmente era como se quisesse rachar a cabeça dos alunos, botar lá para dentro toda a experiência literária, tentando convencer-nos daquilo. Lembro-me, no Pós, quando o Sérgius Gonzaga e eu, que acabávamos discutindo até violentamente, no bom sentido, com o Guilhermino, quando ousávamos dizer que o Mário de Andrade não era tão com quanto ele queria que fosse. O Flávio trazia uma postura um pouco diferente: em primeiro lugar ele numa turma de três ou quatro alunos homens e cinqüenta meninas, obviamente, ele era um sucesso imediato. Mas não é desse aspecto que vou falar.

Quero falar do professor que entrava com uma postura de um catedrático, na tradição da aula européia. Alguns talvez o achassem um pouco posudo, meio esnobe; mas, sobretudo, era capaz de dizer objetivamente o que ele queria dizer. Lembro-me que num dos semestres ele resolveu trabalhar com Guimarães Rosa; foi realmente um impacto ousar mandar os alunos de Letras lerem Guimarães Rosa, do “Grande Sertão: Veredas”, já era uma coragem razoável, todos sabemos que alunos de Letras normalmente citam Guimarães Rosa, mas “Grande Sertão Veredas” a gente não sabe se leu todo. Não vai além da página 90, o que já é muito difícil. Em todo o caso, o Flávio ousou dar um curso sobre Guimarães Rosa e sua obra “Sertão Veredas”; mas, também, resolveu permitir que os alunos o lessem e o interpretassem como quisessem... Ou seja, interpretar o texto como bem quisessem; ele topava qualquer interpretação e dava corda para que a gente falasse. Não sei se muitos aproveitaram. Mas, se ainda não disse, digo agora: eu aproveitei. Em primeiro, consegui ler o Guimarães Rosa todo; consegui fazer uma prova; consegui tirar uma nota que me passou adiante e, sobretudo, consegui ter uma idéia desse escritor fantástico, que realmente ele tinha a coragem de botar na roda.

Outro aspecto que vou falar diz respeito ao porquê da homenagem que eu faço questão que seja, sobretudo, do aluno que fui do Flávio. É que no nosso País há um costume antigo, e piorado depois de 1964, pelo qual o professor de literatura repete coisas, e sobretudo, na literatura; repete as aulas dos livros dos autores que já morreram, de preferência, se não os autores vivos podem não gostar das aulas e contestá-lo. O Flávio tinha esta mania de colocar autor vivo no programa. Aliás, o seu programa era de autores vivos que começava do modernismo mas pegava os autores contemporâneos e, portanto, corria risco de analisar uma obra ainda em desenvolvimento, uma obra que de repente, com título novo, podia até contestar aquela posição que havia sido utilizada pelo professor, mas ele corria este risco sempre. Outro dado interessante é que o Flávio é do tipo de professor que não se limita a dar aula, mas tem o péssimo hábito de escrever livro. Digo péssimo hábito porque depois a gente tem que ler esses livros e o programa o curso de Letras vai aumentando. Mas o Profº Flávio, mais do que dar as aulas escrevia livros, fazia conferências, publicava artigos na imprensa e lembro que em boa parte de seus livros nasceram a partir da organização de cursos, da participação dele em cursos monográficos paralelos. Lembro toda a fase da revisão do modernismo brasileiro, a literatura latino-americana que na época começava a entrar em circulação, toda a questão de artigos publicados no Caderno de Sábado, depois mais tarde de tornaram segundo volume. Depois o Flávio se deslocou para São Paulo no doutorado, questão da relação história-literatura, depois viria ser moda no Brasil, mas que ele foi dos primeiros a enfocar, a partir dos cursos lá desenvolvidos. Se este lado do Profº Flávio é fantástico e foi o que realmente me marcou muito, tem outro que quero destacar: semelhantemente a opções como aqui eu fiz, como aqui o Prefeito Olívio Dutra fez, porque para quem não sabe o Olívio também é formado no curso de Letras, o Flávio em certo momento se aproximou da prática política e fez um trabalho que me parece extremamente importante: a assessoria de um Presidente da Assembléia Legislativa deste Estado, o Deputado João Carlos Gastal. E eu tenho certeza - nunca conversei isso com o Flávio - que essa assessoria, vinda do Flávio, não deve ter sido limitada a escrever discursos ou representar o Deputado, mas certamente terá também atingido a discussão política, o debate, que todo político prático, que tem um cargo, precisa ter alguém de confiança ao seu lado para, às vezes, até discutir pontos de vista, verbalizar dúvidas e até tomar, depois, a posição que vai assumir publicamente mais adiante. E aqui me parece que essa junção é importante. Eu ouço muitas vezes: “Que pena, estás fazendo política, deixaste a literatura!.” E eu digo que se um dia tiver que fazer a opção entre um e outro, certamente eu ainda fico com a literatura. Mas acho que não há uma distância tão grande entre uma coisa e outra. Nós, que trabalhamos com a literatura, lemos a realidade; o político, não apenas tem de lê-la como tem que interferir diretamente nessa realidade e, por vezes, momentaneamente, para depois ser lida de novo, mais adiante, através das versões, sobretudo aquelas que nos interessam mais, da ficção. E acho que esse casamento, ao menos no meu caso e tenho certeza que no do Flávio também, do que fui lendo depois dessa experiência dele, ela é extremamente enriquecedora, ela nos amplia uma visão de mundo, uma visão de vida, que realmente é fantástica, nós não conseguimos isso em outra área de atividade. Nós temos o exemplo de tantos companheiros, o Moacyr Scliar, por exemplo, como médico, uma experiência maravilhosa da medicina que tem, inclusive, possibilitado ao escritor produzir alguns textos que acho de uma contribuição extremamente significativa, inclusive para o jovem. Mas a política tem uma participação decisiva na nossa vida quotidiana, sobretudo daqueles que têm a mania de dizer: “Eu não quero saber de política; não entendo de política, não sou política; quero distância dos políticos.” Esses são, aliás, quase sempre os que acabam mais sofrendo a política. Então, nesse sentido me parece que é significativo que o Flávio, num certo momento, tenha feito essa opção para, depois, retornar ao seu caminho de literatura. Então, é nesse sentido, Flávio, que da dignidade, da eficiência do professor que esse teu ex-aluno aqui queria registrar e da dignidade e da eficiência também nas outras tarefas que desempenhasse, dentre as quais destaco essa da assessoria da Assembléia Legislativa. Acho que o Ver. Valdir Fraga foi extremamente feliz nesta proposição à qual nos somamos de imediato, e me sinto extremamente satisfeito de, hoje, na condição não apenas de um ex-aluno que se torna um Vereador desta Cidade, mas de um Vereador que preside a Casa, um colégio de trinta e três companheiros Vereadores, poder participar desta Sessão que te homenageia, tendo um Prefeito que tem o mesmo tipo de formação e tendo um companheiro como é o Deputado Flávio Koutzii que igualmente vem desta geração, como o Ver. Isaac Ainhorn antes se pronunciou. Esta Casa, ao contrário do que muitas vezes se fala, é uma Casa pobre e basta vocês olharem as nossas dependências, o tipo de trabalho que desenvolvemos aqui que é efetivamente diuturno. Hoje de manhã tínhamos cinco comissões trabalhando simultaneamente e agora, até há pouco, tínhamos três tipos de grupos diferentes de trabalho, entre os quais, inclusive, os nossos funcionários numa assembléia para decidir sobre as suas reivindicações, o que é absolutamente democrático. Mas esta Casa é pobre e a homenagem do Prêmio Érico Veríssimo talvez seja apenas um papel pintado e escrito; mas a gente queria te dizer que é um papel pintado e escrito que vem lá do fundo do coração e, sobretudo, significa aquilo que o Ver. Isaac Ainhorn e eu, de uma certa maneira, falou, falo, agora, e todos nós que estamos aqui queremos te dizer em nome da Cidade de Porto Alegre em nome dos teus ex-alunos, em nome dos teus amigos: muito obrigado, esperando que continues nesta tarefa. (Palmas.)

 

(Não revisto pelo orador.)

 

O SR. PRESIDENTE: Registramos as presenças das filhas do homenageado, a Clarissa e a Mariana. Convidamos o Ver. Antonio Hohlfeldt para proceder à entrega do título Prêmio Literário Érico Veríssimo ao Profº Flávio Loureiro Chaves. (Palmas.)

 

O SR. PRESIDENTE (Antonio Hohlfeldt): Com a palavra o Profº Flávio Loureiro Chaves.

 

O SR. FLÁVIO LOUREIRO CHAVES: Sr. Vereador Antonio Hohlfeldt, Presidente da Câmara Municipal; Sr. Prefeito Olívio Dutra; Sr. Deputado Flávio Koutzii; Dr. Iratir Ramos, Presidente da Fundação Nestlé de Cultura; minha Prezada Profª Olga Reverbel; Sr. Ver. Airto Ferronato. Permitam-me que antes das palavras que preparei por escrito para que uma eventual emoção não me traísse, eu lhes dissesse um verso que todos nós conhecemos: Yo tengo tantos amigos que no los puedo contar! A lista elencada pelo meu querido Antonio Hohlfeldt é interminável e eu gostaria de dizer a todos os meus amigos.

Instituído em 1979, por esta egrégia Câmara Municipal, o Prêmio Érico Veríssimo formou, ao longo dos anos, uma tradição respeitável, espelhada porventura naqueles que já foram indicados para recebê-lo e nas contribuições que ofereceram à vida cultural da Cidade de Porto Alegre.

Volto-me hoje para essa tradição porque aí encontrei certas expressões decisivas para a configuração de nossa identidade cultural. Quero me referir, por exemplo, à personalidade tutelar de Mario Quintana, estendendo a ponte entre a poesia simbolista e o nosso ingresso na modernidade; tenho presente a saga do gaúcho-a-pé narrado por Cyro Martins e o romance histórico de Assis Brasil, o território mítico do Bom-Fim revelado à literatura brasileira por Moacyr Scliar e o universo psicológico inaugurado pelas criaturas de Lya Luft. Refiro-me também a Carlos Reverbel e Luis Fernando Veríssimo por cujas mãos a crônica jornalística alcançou legítima cidadania literária. E quero recordar, ainda mais, em comovida lembrança, a figura múltipla de Josué Guimarães, eleito certo dia Vereador a esta mesma Casa onde exerceu o mandato popular, criador de textos como “A Ferro e Fogo” e “Os Tambores Silenciosos”, já definitivamente abrigados na memória coletiva.

Todos os que aqui mencionei chegaram antes de mim e compõem a linhagem em que se inscreve a tradição do Prêmio Érico Veríssimo. A vossa decisão - assumida de forma unânime e por isso irrecusável - acaba de me incluir em tão ilustre companhia.

Agradeço ao eminente Deputado Valdir Fraga, autor do projeto que propôs meu nome à consideração do Plenário quando ele ainda de encontrava nesta Casa em exercício da vereança; sua iniciativa ultrapassou a dimensão de meu trabalho para situar-se no espaço de sua ampla generosidade. Sou grato, da mesma maneira, ao meu antigo aluno e logo em seguida companheiro de muitas jornadas, Ver. Antonio Hohlfeldt, Presidente desta Câmara. Suas palavras eu as recebo como a prova legítima de uma amizade que já se pode contar por décadas e, inalterável, atravessou as mais diversas conjunturas.

Senhores Vereadores, se antes me referi à tradição do prêmio outorgado, devo agora advertir que desta vez a vossa escolha não recaiu - como nas oportunidades anteriores - nem sobre um autor de ficção, nem sobre um narrador dos mundos imaginários de que se nutre a literatura. Ao contrário, foi designado um professor que, ao longo da sua vida nunca pretendeu ser mais do que isto, e - por força do próprio magistério - adotou o ensaio e a crítica como a sua província intelectual.

Entretanto, seja-me permitido recolher precisamente aí a coincidência significativa que, sem passar despercebida, só faz aumentar a minha satisfação. Foi por ter trilhado o território da crítica que pude certo dia deparar a obra de Érico Veríssimo; nela encontrei amparo às perplexidades de minha geração e a ela dediquei grande parte de minha trajetória. São recordações longínquas em minha biografia mas nem por isso menos vivas nem desprovidas de plena atualidade.

Permitam-me lembrar, por primeiro, que a sua palavra, sempre lúcida e desassombrada, ressoava num tempo de silêncio e trevas. Estamos na encruzilhada dos anos 1970 e foi ele um dos primeiros que, assumindo a responsabilidade, logrou responsabilizar a cada um de nós: “É preciso alertar a consciência do mundo e exigir-lhe alguma coerência. Não aceito a idéia totalitária de que os fins justificam os meios. Odeio todas as formas de ditadura, inclusive as chamadas benignas ou paternalistas. Detesto qualquer forma de coação. A causa daqueles que lutam pela liberdade será sempre a minha causa.”

Hoje o tempo translato nos permite discernir com meridiana clareza a linha vertical que, partindo deste princípio ético, conduziu até ao limiar da criação literária. A atitude humanista de Érico Veríssimo garantiu um profundo acordo entre o cidadão e o escritor; e, por isto, em sua obra se lê uma estranha epopéia às avessas onde a perseverança humana é sempre muito mais forte e duradoura do que qualquer gesto heróico. Enquanto os guerreiros se estraçalham em combates infindáveis, as mulheres da estirpe de Ana Terra e Bibiana reconstituem o complexo tecido da existência, opondo sua coragem à devastação do espaço circundante.

No universo de Érico Veríssimo a ficção imaginária retorna então à mesma realidade que lhe deu origem, denunciando-a e revelando a sua insuficiência, num reiterado convite a construir a História. Não é outro o sentido da fábula inserida no último romance que ele escreveu, quando os mortos insepultos voltam à cidade e, instalados na praça central, fazem o julgamento dos vivos, isto é, aqueles que já estão moralmente mortos.

Ele foi o cronista de Porto Alegre e, em livros como “Caminhos Cruzados”, incluiu definitivamente a nossa Cidade no panorama da ficção brasileira. Não bastasse isto, foi também o escritor que, no painel monumental de “O Tempo e o Vento”, resgatou a história do Rio Grande do Sul, atribuindo identidade a uma região até aí anônima em nossa literatura. Mostrou-nos, enfim, que somos cidadãos do mundo quando a sua investigação se estendeu a horizontes já tão amplos quanto o cenário internacional de “O Prisioneiro” e “O Senhor Embaixador”.

Nada disto entretanto cobraria vigência, garantindo-lhe um lugar definitivo na consciência coletiva, se não tivesse por alicerce inabalável a ideologia humanista, através da qual sua palavra traduzia, na realidade ou na ficção, as angústias e a esperança de todo um povo. Afinal não é esta a mais nobre missão da literatura?

Situando-me na posição de quem muito aprendeu na convivência e na leitura de Érico Veríssimo, eu creio que sou muito mais aluno do que professor. Sem qualquer traço de falsa modéstia, direi com franqueza que nada mais eu poderia desejar em minha experiência de ensaísta e professor.

Serei fiel a um preceito da universidade medieval onde se determinava que todo agradecimento fosse breve e circunspecto. Concluindo, peço permissão para fazer um convite. Gostaria de convidar Antonio Hohlfeldt, meu irmão, para refazermos o caminho que percorremos no já distante ano de 1976 quando juntos redigimos um trabalho sobre o autor do “Incidente em Antares”. Naquela data muito dos papéis de Érico estavam ainda em desordem; trafegamos por um certo número de rascunhos e inéditos, buscando o alinhavo da investigação que, quanto mais nos parecia infindável, tanto mais nos empolgava. Num fim de tarde, encontramos o que procurávamos; ali estava o homem e o escritor, cuja palavra, ainda uma vez, expressava o que um dia sonhamos realizar. Leio:

“Andei sempre às voltas com o problema da liberdade. Meu repúdio à censura, qualquer tipo de censura, não foi motivado por livros que eu tivesse lido, mas por feridas que senti na própria carne. Alguém já disse que sou um maníaco da liberdade. Bendita mania, porque há os maníacos da tortura, da opressão e da tirania. Não há nada pior para um povo do que o conformismo, a indiferença ante a dor dos outros, a essa tendência a delegar a meia dúzia de donos do poder o direito de pensar pela coletividade em todos os assuntos.

Costuma-se pedir aos escritores o que eles não podem dar. A obrigação do contador de histórias é contar histórias. E como a sua matéria prima é o homem dentro da sociedade, dentro da história, ele não pode deixar de ver tudo o que essa sociedade apresenta de bom e de mau, sem levar em consideração as pessoas e instituições que por acaso possa ferir ou embaraçar. O escritor tem de fazer o diagnóstico da enfermidade da sociedade sobre a qual escreve e, com isso, criar a necessidade de cura. Agora, a cura é um capítulo à parte. Depende de muita gente, de muito tempo, de muito trabalho. O que me parece essencial é ficar bem claro que ser livre é melhor do que ser escravo, que estar são de corpo e espírito é melhor do que estar enfermo, e que o amor é preferível ao ódio. Fala-se em engajamento, perguntam-me se sou um escritor engajado. Resposta: sou. Mas não com nenhuma facção ou partido político e sim com o Homem, com a Vida.

Proclama-se a inutilidade da literatura, o fim da ficção, a impotência da linguagem como instrumento de comunicação entre os homens. Seja como for, uma coisa me parece certa e animadora: o homem continua vivo. E, a meu ver, a missão maior do escritor de nossos dias é a defender o homem, a sua vida, o seu direito natural à liberdade.”

Srs. Vereadores, há um prêmio maior do que a distinção que me foi atribuída. Vós mesmos o criastes, na tarde de hoje, quando me foi dado o privilégio de recordar a dignidade de um homem digno. Faço presente o testemunho de minha mais profunda gratidão. Muito obrigado.

 

(Não revisto pelo orador.)

 

O SR. PRESIDENTE: Estão encerrados os trabalhos da presente Sessão Solene.

 

(Levanta-se a Sessão às 18h19min.)

 

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